7 de jul. de 2009

Ele Gostava de Falar em Inglês

Semana passada resolvi crer, novamente, no potencial das produções cinematográficas brasileiras e fui ao cinema assistir ao filme Jean Charles. Não me arrependi e confesso que fiquei um tanto quanto surpreso. O filme é bem feito, os atores foram bem selecionados e nos transmite uma mínima parcela da tristeza do caso.

O ano era 2002. De origem simples, Jean Charles de Menezes (brasileiro, de origem mineira) fez o que milhares de brasileiros fizeram e continuam fazendo aos montes. Percebendo a necessidade de sua família e buscando uma condição de vida melhor, Jean resolveu viajar para a Europa e instalou-se em Londres, na Inglaterra, entrando no país com um visto estudantil. Trabalhando e ganhando em libras, seria teoricamente mais fácil de juntar boas economias e enviá-las para seus pais no Brasil.

Em pouco mais de quatro meses na capital inglesa, o brasileiro já dominava bem o idioma e fez bons amigos, que o ajudaram no início de sua nova vida na Europa. Jean era conhecido por todos como um indivíduo de coração enorme, sempre disposto a ajudar. Oficialmente eletricista, o mineiro de origem simples passou a ganhar dinheiro ajudando os brasileiros com vistos de permanência no país, em troca de favores. E assim ele ia aumentando seu círculo de amizades na terra dos Beatles.

O ano era 2005, mais precisamente 7 de Julho, em uma quinta-feira. O mundo chocou-se com os atentados terroristas em Londres. Quatro grandes explosões ocorreram na capital inglesa (três nos túneis do metrô e uma em um ônibus), na hora do
rush. Mais de cinquenta e duas mortes confirmadas, com mais de setecentos feridos. Na época, a capital inglesa estava sediando mais um encontro do G8 e tinha acabado de ser escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 2012.

A Scotland Yard (o FBI inglês) foi acionada, então, para realizar uma grande busca atrás dos verdadeiros culpados deste trágico episódio. Os agentes especiais passaram a analisar todas as gravações das câmeras de segurança das estações de metrô e da região, além de investigar qualquer pista que lhes fosse interessante.

Segundo o Censo de 2001, 71,15% dos londrinos são compostos pela etnia branca (59,79% de origem britânica, 3,07% de origem irlandesa e 8,29% outras origens como polonesa, grega, italiana e francesa); 12,09% são de etnia asiática (Índia, Paquistão e Bangladesh, na sua maioria); 10,91% são de etnia negra (7% negros-africanos, 4,79% negros-caribenhos e 0,84% de outra origem); 3,15% são mestiços; 1,12% são de origem chinesa; 1,58% são de outras origens (principalmente Filipinas, Japão e Vietnã).

De acordo com este mesmo censo, haviam cerca de 60 mil de brasileiros residindo em Londres, o que fazia o Brasil ocupar a oitava posição no ranking de nacionalidades mais representadas numericamente na capital inglesa. Antes do Brasil, somente estavam Quênia, Paquistão, Nigéria, Jamaica, Bangladesh, Irlanda e Índia.

O calendário marcava 22 de Julho de 2005, precisamente quinze dias depois dos ataques em Londres. Uma importante pista encontrada pelos agentes da Scotland Yard levou a inteligência inglesa à um bloco de apartamentos. Os policiais deveriam estar observando três homens, de aparência somali ou etíope. Entretanto, eles avistaram Jean Charles de Menezes saindo para trabalhar e assim passaram a vigiá-lo. Ao embarcar em um dos trens da estação Stockwell, o brasileiro foi abordado pelos agentes e alvejado por estes.

Existem controvérsias sobre o ocorrido. Mas o fato é que hoje é dia 7 de Julho de 2009, quatro anos depois das explosões que chocaram Londres e o mundo, e logo mais será dia 22, marcando o quarto aniversário da morte de Jean. Marcando o quarto aniversário da injustiça. Os britânicos orgulham-se por fazerem parte de uma das economias mais poderosas de todo o planeta, de possuírem um elevado nível de vida, de ser o palco da cultura, da moda, da música e da história. Realmente eles têm do que se orgulhar, contudo a aclamada Scotland Yard deixou de lado a hombridade, o respeito e o bom senso.

Mais do que isso, visto que o crime ocorreu em terras estrangeiras, a polícia brasileira nada pode fazer. A investigação inglesa mostrou que a atuação dos agentes foi completamente equivocada e a mídia britânica mostrou ao mundo evidências de que Jean Charles não tinha nenhum vínculo com os atentados terroristas. Porém nada ocorreu com os policiais da Scotland Yard. Estão em liberdade, enquanto o governo brasileiro nada pode fazer, a não ser publicar em nota oficial, a partir do Ministério das Relações Exteriores:

"o governo brasileiro ficou chocado e perplexo ao tomar conhecimento da morte do brasileiro, aparentemente vítima de lamentável erro. (...) o Brasil sempre condenou todas as formas de terrorismo e mostrou-se disposto a contribuir para a erradicação desse flagelo dentro das normas internacionais, aguardando explicações das autoridades britânicas sobre as circunstâncias da morte de Jean Char
les."

E até hoje os familiares e amigos do brasileiro aguardam explicações e providências.

Mais do que um filme, uma verdadeira história de alguém que teve a vida interrompida friamente por aqueles que "se enganaram". Muito mais do que uma história, uma lição, para que as aparências não permitam enganar nunca mais.


Jean Charles de Menezes
7 de Janeiro de 1978 - 22 de Julho de 2005


Rest in Peace. Porque ele gostava de falar em inglês.



Escrito por: Denis Araujo

12 comentários:

Diego on the rocks disse...

Por isso que eu digo que, Scotland Yard boa, só aquela do jogo de tabuleiro!

Renatinha disse...

(eu ri do comentário de cima)
Bom, isso joga bem na cara daqueles que falam que a polícia brasileira não presta, que a justiça daqui não faz nada... Olha lá, a tal inteligência britânica de inteligente não teve nada. Só acho que se fosse ao contrário, eles estariam fazendo o maior escândalo, enquanto aqui as pessoas parecem prefir esquecer e deixar passar batido.

Douglas Funny disse...

Gostei bastante do texto, principalmente do título.

Essa história é foda, mas pensei que já haviam sido tomadas algumas providências... triste.

Brancatelli disse...

Filme com o Selton Mello é certeza de coisa boa!

E um filme sobre esse caso é bom pq, mesmo que a justiça tenha se esquecido do Jean Charles, pelo menos a tragédia permanece viva para nós.
Por mais que tentem esconder, esse caso não desaparecerá tão fácil.

E que sirva de símbolo para todo e qualquer exagero cometido por causa do medo.

PS: adorei o post.

Francimare Araujo disse...

Nada se pode fazer por aquele que da sua terra está distante... Infelizmente funciona assim.

Lucas... disse...

Cara......tem outra coisa por traz de tudo isso...o ppreconceito, a xenofobia que em tempos de crise aflora na potências, visto que o partido de extrema direita na Inglaterra conseguiu lugares no parlamento europeu....

e cara o cinema brasileiro é muito bom hahahhahahahhaa

té mais meu chapa

Diana. disse...

"realidade" de muitos. vida boa, cerveja e libras....qm num quer?
jean charles era um dos que lutava realmente pelo que queria, de acordo com a historia contada. Buscou seus objetivos, apesar de se submeter a um trabalho "simples", ainda ganhava mais dinheiro do que se estivesse no brasil. Mas ai a gente pensa, até onde vale a pena?

quero ver o filme ainda.
assisto um nesse mesmo estilo de camarote, mas as condições foram diferentes, sorte a dele.

muito bom o post.
;*

Álvaro Reis disse...

Não sabia que o Brasil exportava presunto!

Marcelo Macedo disse...

O Charlinho tb é Menezes!
Sao homonimos!

Mas o Charlinho gosta mais de batata. E mais de falar inglês tb.

Raissa disse...

Assistirei o filme!


muito bom o texto.

Lu Guimarães disse...

O que me deixa mais indignada é justamente porque se isso tivesse acontecido no Brasil era capaz até de a justiça brasileira deportar os culpados para cumprir pena lá...

Raul disse...

Agora fiquei interessado pelo filme! (Vou ver se já está na locadora)

Através deste texto conheci detalhes que não vi no noticiário!

Muito bom!